9 meses num dia da marmota desarmando bombas no Iraque

O que pessoas normais fazem em 9 meses?

O período remete imediatamente ao tempo da gestação humana. Pessoas têm um filho (ou dois, ou três) em 9 meses!

Outras cursam um ano inteiro numa universidade. Algumas dão uma volta ao mundo, reformam um apartamento, compram um Playstation 3, mudam de emprego, se livram de um câncer, assistem a temporadas completas de Big Bang Theory e Battlestar Galactica, seguem em frente.

Eu não. Eu retorno ao passado. Todo dia, sem falta, retomo do ponto em que paramos há 270 dias, como se absolutamente nada de novo tivesse acontecido nesse período. Puxo conversa, convido, reclamo, tiro sarro, brigo, xingo, tento agradar para pedir desculpas - exatamente nesta ordem. Vivo num eterno dia da marmota. Não deixo o samba morrer.

Até prometo a mim mesmo que não farei nada disso no dia seguinte (e curioso como essas promessas de curta duração parecem fazer parte do mecanismo diabólico que alimenta o meu personal-groundhog-day). Mas só recupero a consciência depois que a primeira mensagem saiu do meu celular, como se digitada em um transe muito mais forte que minha autoconfiança. Ouço sininhos, acordo, releio a mensagem na caixa de Enviados e penso que, puts, “poderia ter evitado mais essa”.

É uma rotina exaustiva. Mas a gente se acostuma a qualquer situação desconfortável, não? 14 horas de trabalho diárias, banhos gelados, falta de dinheiro… Até a coreografia de Single Ladies parece mais simples depois de repetida à exaustão.

Então como não se acostumar a um desconfortozinho no peito toda vez que te relembro? E que mal há em sentir uma falta de ar repentina sempre que te vejo cruzando a rua, 20 metros distante, fones nos ouvidos e completamente concentrado no caminho, sem a menor chance de me notar? Ela, a falta de ar, vai passar e voltar no dia seguinte, tudo bem. Mas eu continuo aqui, vivinho da silva.

Se vocês assistiram a The Hurt Locker, devem ter notado como o personagem principal, um sargento do exército americano, sente prazer ao trabalhar desarmando bombas, ainda que a atividade coloque sua vida em risco diariamente.

Pois bem. Acho que que sinto prazer em rodear a bomba todos os dias, sem a menor vontade de desarmá-la.

E a esperança (ela existe, porque este é um texto otimista!) é a de que, um dia, eu me canse de ir até ela e arranje sarna para me coçar em outro lugar.

Irã, here we go!


(nade pra chegar ao fim. O Surfer Blood garante que é divertido, apesar de a gente não sabe o que tem lá)

7 Responses to “9 meses num dia da marmota desarmando bombas no Iraque”

  1. Tiago says:

    Cara, essa fase é chata pra burro (e o meu conselho vai ser pior ainda), mas, quando algo parecido aconteceu comigo, o que me salvou foram séries de tevê, filmes e discos. Não tem jeito: você tem que tentar se entreter com outras coisas. Caso contrário, vai ficar se torturando.

    Dizem que a dor vai passando (e, claro, você pode acabar se surpreendendo com uma reviravolta maluca).

  2. Diego says:

    Eu tenho feito isso, Tiago.

  3. Debora Pivotto says:

    esse luto demora mesmo. é o tempo de uma gestação, só que de elefante… mas para mim, a fase 1 é assumir o que sente. a 2 é lidar com isso (o que inclui falta de ar, desconforto, mensagens equivocadas etc) e a 3 é o esgotamento. Na 1 e 2, você já está craque. Logo logo, virá a 3. Siga firme… e ouça “one wing” em vez de “I’ll fight”.
    saudade
    beijos

  4. Daniel Takinn says:

    Concordo com a Débora. Já aprendi a mudar de canção. E sou mais feliz (e grato) por isso.
    Bjo

  5. Carola says:

    Nem sei como cheguei nesse blog, mas tenho que comentar como essa fase é parecida com a abstnência do uso de drogas. Não fosse atravessar a rua com fones de ouvido, vc poderia estar falando, sei lá, de cocaína.
    Quando passei por isso (não pelo uso de drogas!), fiz exatamente o que vc tem feito e mais uns rituais que criei e que me ajudaram bastante, tipo: fazer tracinhos em um papel, estilo presidiário, por cada dia que não ligava. Cheguei a 38 e me senti muito bem!

  6. Maha says:

    Opa, só agora vi o post novo.

    Bem, pelo menos o desconforto rendeu um bom texto :)

  7. Erika says:

    No momento estou assim, não estou há 9 meses estou somente a 1 semana mas já passei por esse momento por longo 1 ano e meio.Eu sei que tudo passa mas até passar doi e doi demais!

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